Relações entre Mastigação e Fala

Aprender a comer alimentos sólidos está entre as habilidades motoras mais complexas do desenvolvimento infantil, mas apesar disso, nem sempre se dá a ela a importância e a atenção devida. A introdução alimentar envolve o uso de diferentes músculos da boca, a movimentação da língua de forma diferente e o manuseio de alimentos até então desconhecidos. Além disso, nesse momento, um novo repertório de cores, cheiros, sabores, texturas e nomes são oferecidos para a criança. A riqueza de tantas experiências novas é imensa!

Diferentemente de algumas funções, como a sucção e a deglutição que são reflexas, ou seja, acontecem inicialmente de modo involuntário, a mastigação é aprendida ao longo dos primeiros anos de vida. Portanto, se é um ato aprendido, depende de treino, que vai sendo realizado e ajustado a cada refeição.

Essa aprendizagem começa logo nos primeiros meses de vida, quando a criança ainda está na fase de aleitamento exclusivo, que deve acontecer até os 6 meses. Ao levar amão, os brinquedos e objetos de diferentes texturas e formatos à boca, ela começa a ter contato com importantes estímulos para a cavidade oral, preparando-a para receber os diferentes alimentos. É por meio da textura e da consistência dos alimentos que se aprende a mastigar.

Quando mastigamos, além da importante função de quebrar os alimentos em pedaços menores para facilitar a digestão dos nutrientes, também fortalecemos os músculos da face e da boca. Os órgãos utilizados na mastigação são os mesmos requeridos no ato da fala e, desta maneira, se exercitados de forma e por tempo adequados, a mastigação a partir dos 6 meses de vida prepara todas as estruturas da face para a nova função que surgirá em seguida: a fala. É importante salientar que sugar, mastigar e engolir corretamente são ações totalmente ligadas ao desenvolvimento da fala. Assim, não mastigar adequadamente pode prejudicar tanto o processo de digestão dos alimentos, quanto alterar a musculatura envolvida.

Como dissemos inicialmente, até o 6o mês, o bebê deve ser alimentado exclusivamente com o leite materno (ou com alguma fórmula substitutiva a critério médico, caso seja necessário). A amamentação é o alicerce para uma mastigação saudável e para o desenvolvimento da face e da boca. Quando a mãe não pode amamentar, indicamosque o leite seja oferecido preferencialmente com copinho ou colher. A mamadeira deve ser sempre a última opção.

A partir dos 6 meses, a criança está pronta para a introdução de novos alimentos em sua dieta. Nessa fase, espera-se que ela já esteja com uma boa sustentação da cabeça e também sente-se com apoio. Essas são condições imprescindíveis para que a mastigação aconteça. Também nesse momento, a criança já começa a pegar os alimentos e levá-los à boca. Temos ainda a erupção dos primeiros dentes acontecendo nesse período e observamos uma melhor movimentação da mandíbula, que será muito importante para que a mastigação se realize.

Mas, mesmo antes disso, já podemos começar os preparativos! Por volta dos 5 meses, os pais podem apresentar o cadeirão à criança. Ele deve ser confortável e com apoio para os pés do bebê, para melhor organizar sua postura durante a alimentação. Nesse momento, deixe o bebê brincar no cadeirão, para ir se acostumando a esse novo acessório. Dessa forma, quando a introdução alimentar ocorrer, a cadeira de alimentação não será nada tão novo e desafiador para o bebê, o que facilitará muito o processo. Também nesse período, é interessante começar a inserir a criança nas refeições da família, deixando-a observar as pessoas manipulando os alimentos e comendo-os. Isso desperta a curiosidade dela e será benéfico para a próxima etapa.

Quando a alimentação complementar for iniciada, é preciso escolher bem o local em que as refeições serão dadas ao bebê. O ambiente precisa ser tranquilo e não se deve associar o ato de comer a brinquedos ou estímulos visuais, como televisão ou tablets. Também não é recomendável colocar a criança sentada no sofá, no quarto ou em outros locais inapropriados para a refeição, pois ela irá associar o ato de comer a esses locais. Outro ponto importante é a atitude dos pais durante a alimentação, evitando-se ameaças e recompensas.

A apresentação da comida é de total relevância para o bebê. Olhar o alimento, sentir seu cheiro, tocá-lo, colocá-lo nos lábios e depois na língua são comportamentos saudáveis e que fazem parte do processo de alimentação infantil. Deixar o prato à frente do bebê, e não longe dele, é o mais adequado, pois a criança precisa visualizar e interagir com a alimento. Como o bebê mexerá no prato, para que este não fique caindo, sugere-se o uso de pratos que se prendam na mesa, como por exemplo os aderentes ou com ventosas. Também são mais indicados os pratos de plástico, para evitar que se
quebrem e machuquem o bebê.

Outro item importante é a escolha da colher. Para a introdução alimentar são preferíveis as que não sejam muito grandes, nem muito côncavas (fundas), visando facilitar a captação do alimento pela criança. Também recomenda-se não introduzir a colher na boca do bebê à força, sem que ele esteja abrindo os lábios. Se a criança não se interessar em receber os alimentos com a colher e preferir utilizar as mãos, não há problema algum. Tal atitude não deve ser repreendida. Ao contrário, permita sempre que ela manipule, cheire e lamba os alimentos. Esta exploração sensorial é necessária para o bom desenvolvimento alimentar. O primeiro tipo de alimentação a ser oferecido depois do aleitamento exclusivo é o pastoso, como por exemplo legumes cozidos amassados com o garfo. Recomenda-se evitar o uso de liquidificador, mixer ou peneira no preparo dessas refeições, pois como foi dito no início, a criança precisa treinar a musculatura da boca por meio da mastigação. Também não há necessidade de acrescentar leite para formar um purê, pois tal prática pode mascarar o sabor real do alimento e amolecê-lo, o que não é desejável nesse momento. Aos poucos, podem ser introduzidos novos alimentos como arroz, feijão, carne ou frango bem cozidos e cortados em pedaços pequenos ou desfiados. Recomenda-se evitar oferecer comidas que formam farelos ou migalhas na boca, a fim de que não haja engasgos. Antes de 1 ano de vida indica-se não utilizar sal no preparo dos alimentos, podendo ser usados outros temperos como salsinha, cebolinha, hortelã, cebola, alho e alecrim. As frutas amassadas ou raspadas também são indicadas nessa fase, sempre sem sementes e caroços. Recomenda-se ainda evitar a oferta de alimentos industrializados e dar preferência sempre aos produtos frescos. Introduzir novos sabores nem sempre é fácil, mas esse é um processo que requer paciência e persistência. Sugere-se que seja oferecido um alimento de cada vez e se observe a reação da criança. Se ela rejeitar, aguarde uns dias e ofereça-o novamente.

Os estudos mostram que, em média, são necessárias de 8 a 15 exposições ao alimento para que ele seja plenamente aceito pela criança. Também recomenda-se que se evite fazer papinhas com vários alimentos juntos, porque assim os sabores se misturam e o bebê não aprende o que está comendo. O melhor é ofertar cada alimento separadamente para que ele aprenda mais facilmente a diferenciar os vários sabores, cheiros e texturas. Não se esqueça de nomear todos os alimentos e de conversar com seu filho durante as refeições. Esse é um momento muito estimulante em todos os sentidos! Se ele estiver comendo bem e começar a virar o rosto, fechar os lábios, choramingar, dar tapas ou empurrar a colher, talvez não esteja querendo mais comer. Respeite-o, mesmo que a quantidade aceita tenha sido pouca, e nunca o force ou o obrigue a comer mais. Queremos que ele aprenda que as refeições são momentos tranquilos, lúdicos e prazerosos.
Também nessa fase, pode-se iniciar a oferta de água entre as refeições. Sempre que possível isso deve ser feito no copo. Recomenda-se o uso do copo normal ou de um copo de transição com bico rígido. Chás e sucos naturais devem ser evitados até 1 ano e, quando forem oferecidos, o ideal é que seja no copo, de preferência após as refeições
principais.

Aos 8 ou 9 meses, os pais já podem oferecer alimentos em pedaços para a criança pegar com a própria mão e levar à boca. Dar uma colher à criança enquanto os pais a alimentam com outra também é altamente recomendado, para que sua autonomia vá se desenvolvendo. Quando souber manipular adequadamente a colher, pode-se inserir o uso do garfo.
Entre 9 e 12 meses, pode-se aumentar a consistência dos alimentos presentes nas
refeições infantis até chegar-se a oferta da mesma alimentação da família. Recomendase que a comida seja caseira, oferecida em pedaços e variada.
Crianças que só são apresentadas à comida em pedaços mais tarde, depois dos 10 meses, tendem a ter mais resistência para comê-la e podem ser menos abertas a novas texturas e sabores ao crescer. Dietas mais pastosas, com alimentos liquidificados ou com mamadeiras, não exercitam os músculos orofaciais adequadamente, o que influencia negativamente na produção dos sons da fala. Assim, recomendamos que se substitua o uso de mamadeiras por alimentos que a criança possa mastigar.

Até 2 anos, recomenda-se evitar iogurtes industrializados, macarrão instantâneo, salgadinhos, refrigerantes, balas, chicletes, sorvetes, biscoitos recheados, entre outros. Independentemente da idade, é sempre importante lembrar de não deixar a criança comer enquanto faz outra atividade, como correr, andar e brincar, pois ela pode se distrair e acabar se engasgando, ou aspirando uma partícula de alimentoTambém recomendamos que se evite deixar bebês e crianças pequenas se alimentarem dentro do veículo, sem a supervisão integral de um adulto. Além da dificuldade de prestar socorro no caso de um engasgo, algumas crianças ficam nauseadas até durante
pequenos percursos. Portanto, o ideal é não oferecer comida ou lanchinhos nessas situações.

Conforme acontece o desenvolvimento dos seus dentes e músculos, ela passa a aceitar alimentos de consistência mais dura e que exigem maior esforço da mastigação. A oferta de sucos, água ou outros líquidos, se ocorrer, deve ser fora do momento da mastigação.

A partir de 1 ano, a criança já pode experimentar alguns alimentos mais consistentes e em pedaços um pouco maiores (ex: bife, pão italiano e outros alimentos mais sólidos).

Os pais devem sempre incentivar a mastigação e isso se faz mastigando junto da criança, já que grande parte da aprendizagem acontece por meio da imitação de modelos. Quando mastigamos mais vezes os alimentos, naturalmente aumentamos nossa concentração no ato de comer e prolongamos sua duração. Assim, usufruímos todo o prazer proporcionado pelos diferentes sabores e texturas. É importante, portanto, dar esse modelo à criança, para que ela também vivencie uma experiência intensa com os alimentos. Outra atitude que favorece a mastigação é envolver a criança na escolha dos alimentos, nas compras no mercado ou na feira e no preparo das refeições, desde que isso não
apresente riscos para ela. Variar as consistências alimentares e inserir pelo menos um alimento mais consistente em cada refeição é uma medida importante, que pode ser combinada entre pais e filhos.

A mastigação também está relacionada à questão da saciedade e do controle do peso, servindo como um medidor da quantidade adequada de alimentos a serem ingeridos. Durante o processo de mastigação, o corpo vai recebendo avisos e se preparando quimicamente para a assimilação dos nutrientes, até o momento em que dá sinais de apetite saciado. Estudos e pesquisas também mostram a relação de uma mastigação rápida e/ou ineficiente com a obesidade.
Alguns comportamentos durante a mastigação da criança devem chamar a nossa atenção, como lentidão para comer; dificuldade ou recusa para mastigar determinados alimentos; dores de dente ou de cabeça constantes; dores de estômago, azia, gases e refluxo; engasgos frequentes; e dificuldade em manter os lábios fechados enquanto mastiga.
O fonoaudiólogo pode ajudar na avaliação e no tratamento de problemas relacionados à mastigação, como sensibilidade oral exagerada, alteração na mobilidade da língua (como acontece nos casos de língua presa, por exemplo), dificuldade na percepção do sabor ou pouca vivência tátil ou oral.

Não existe criança com preguiça para mastigar. O que ocorre é que, em algumas delas, observamos menor força nos músculos da língua, dos lábios e das bochechas, responsáveis pela mastigação. Nesses casos, é comum que prefiram alimentos mais macios, porque assim não precisam fazer um grande esforço mastigatório. Por isso, devemos estimular a alimentação com diferentes consistências desde cedo, a fim de fortalecer a musculatura orofacial e proporcionar o desenvolvimento harmonioso da face e da fala.

Referências:
Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. Departamento de Motricidade Orofacial.
Respostas para perguntas frequentes na área de Motricidade Orofacial. 2011.
Vieira, V. C. A. M.; Araújo, C. M. T.; Jamelli, S. R. Desenvolvimento da fala e
alimentação infantil: possíveis implicações. Rev CEFAC, v 18, n 6, 2016.

Escola Meu Castelinho

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